Tempo de Poesia
Todo o tempo é de poesia
Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia
Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia
Todo o tempo é de poesia
Entre bombas que deflagram
Corolas que se desdobram
Corpos que em sangue soçobram
Vidas que a amar se consagram
Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria
Todo o tempo é de poesia
Desde a arrumação ao caos
à confusão da harmonia
António Gedeão
O poeta chorava...
O poeta chorava
o poeta buscava-se todo
o poeta andava de pensão em pensão
comia mal tinha diarreias extenuantes
nelas buscava Uma estrela talvez a salvação?
O poeta era sinceríssimo
honesto
total
raras vezes tomava o eléctrico
em podendo
voltava
não podendo
ver-se-ia
tudo mais ou menos
a cair de vergonha
mais ou menos
como os ladrões
E agora o poeta começou por rir
rir de vós ó manutensores
da afanosa ordem capitalista
comprou jornais foi para casa leu tudo
quando chegou à página dos anúncios
o poeta teve um vómito que lhe estragou
as únicas que ainda tinha
e pôs-se a rir do logro é um tanto sinistro
mas é inevitável é um bem é uma dádiva
Tirai-lhe agora os poemas que ele próprio despreza
negai-lhe o amor que ele mesmo abandona
caçai-o entre a multidão
crucificai-o de novo mas com mais requinte.
Subsistirá. É pior do que isso.
Prendei-o. Viverá de tal forma
que as próprias grades farão causa com ele.
E matá-lo não é solução.
O poeta
O Poeta
O POETA DESTROI-VOS
Mário Cesariny, de Nobilíssima Visão, Colecção Poesia e Verdade
ALGUNS GOSTAM DE POESIA
Alguns -
Quer dizer nem todos.
Nem a maioria de todos, mas a minoria.
Excluindo escolas, onde se deve,
E os próprios poetas
Serão talvez dois em mil
Gostam –
Mas também se gosta de canja de massa,
Gosta-se da lisonja e da cor azul,
Gosta-se de um velho cachecol,
Gosta-se de levar a sua avante,
Gosta-se de fazer festas a um cão.
De poesia –
Mas o que é a poesia?
Algumas respostas vagas
Já foram dadas,
Mas eu não sei e não sei, e a isto me agarro
Como a um corrimão providencial.
Willawa Szymborska, Premio Nobel de Literatura 1996.
Frutos
Pêssegos, peras, laranjas,
morangos, cerejas, figos,
maçãs, melão, melancia,
ó música de meus sentidos,
pura delícia da língua;
deixai-me agora falar
do fruto que me fascina,
pelo sabor, pela cor,
pelo aroma das sílabas:
tangerina, tangerina.
Eugénio de Andrade
Neste poema o poeta fala-nos sobre os frutos.
Experimenta tu, também, escrever uma poesia sobre o teu fruto preferido.
Envia-nos o teu poema por e-mail, para be.esdjv@sapo.pt, ou através do comentário do blog.