Cartas de Anor quem as não tem...
CARTAS DE AMOR QUEM AS NÃO TEM
Carta de Almeida Garrett a Rosa, Viscondessa da Luz, em 1854
Que suprema felicidade foi hoje a minha, querida desta alma! Como tu estavas linda, terna, amante, encantadora! Nunca te vi assim, nunca me pareceste tão bela. Que deliciosa variedade há em ti, minha R. adorada! Possuir-te é gozar de um tesouro infinito, inesgotável. Juro-te que já não tenho mérito em te ser fiel, em te protestar e guardar esta lealdade exclusiva que te hei-de consagrar até o último instante da minha vida: não tenho mérito algum nisso. Depois de ti, toda a mulher é impossível para mim, que antes de ti não conheci nenhuma que me pudesse fixar.
E o que eu te estimo e aprecio além disso! A ternura d'alma verdadeira que tenho por ti! Onde estavam no meu coração estes afetos que nunca senti, que tu só despertaste e que dão à minha alma um bem-estar tão suave! Realmente que te devo muito, que me fizeste melhor, outro do que nunca fui. O que sinto por ti é inexplicável. Bem me dizias tu que em te conhecendo te havia de adorar deveras. É certo, assim foi, e estou agora seguro deste amor, porque repousa em bases tão sólidas que já nada creio que o possa destruir. Deixaste-me hoje num estado de felicidade tal, com tanta serenidade no coração, que não creio em toda a minha vida que ainda tivesse um dia assim. A minha imaginação tão exaltada, tão difícil, nunca foi além das doces realidades que tu me fazes experimentar. Tinha desesperado de encontrar a mulher que Deus formara à minha semelhança -- achei-a em ti, e já não desejo a vida senão para a gozar contigo e para me arrepender a teus pés do mal que fiz, do tempo que perdi, do que te roubei da minha existência para o mal empregar nas misérias de que me tenho querido ocupar. Digo -- que me tenho querido, porque não conseguia nunca: o meu espírito rebelava-se, o meu coração ficava indiferente, e nunca foram de ninguém senão teus.
Não penses que exagero: por Deus te juro que assim é, e que me podes crer: eu a ninguém amei, a ninguém hei-de amar senão a ti. A ti a virgindade do meu coração, que não puderam desflorar nunca nem os erros dos sentidos. nem as deceções do espírito, ou as ilusões da vaidade. -- E sou tão feliz em o conhecer que não imaginas: teria remorso verdadeiro se tivesse amado a alguém antes de ti; era uma quase infidelidade que me não podia perdoar.
E sabes tu? não sei se me engano, mas creio que não: estou persuadido que o mesmo passou por ti, e que a tua passada ilusão não foi senão ilusão que passou, e que este é o teu verdadeiro primeiro amor, em que alma, sentidos, coração, estima, afecto e entusiasmo estão reunidos, porque sem estas coisas todas bem sabes que não pode haver amor real e verdadeiro. -- Sou secante com este tema, bem o conheço. Mas que queres? Não posso ter outro: estou completamente estúpido para tudo o mais: sou como um instrumento em que todas as cordas se quebraram menos uma -- e que já não dá mais que um som em qualquer parte e por qualquer modo que o firam.
Sei que não receberás hoje esta carta, que não verei letras tuas tão-pouco, e amanhã passará todo o dia do mesmo modo. Paciência! Hoje tenho de que viver na doce recordação daquelas duas horas (bem escassas!) que me deste, e pelas quais -- quando mais não fosse, te abençoarei até o último instante da minha vida.
Adeus, adeus,
minha vida. Adeus.
Carta de amor à Viscondessa da Luz, de Almeida Garrett.